Falarei neste post de uma novela que gostaria muito de ter acompanhado, o que infelizmente acredito que nunca será possível. Os Ossos do Barão, de Jorge Andrade, foi ao ar pela Globo às dez da noite de 10 de outubro de 1973 a 31 março de 1974.
Em 1973, para substituir o sucesso O Bem-amado, de Dias Gomes, a Rede Globo decidiu prosseguir com as produções em cores para o horário de novelas das dez da noite. Conforme Walter Clark, um dos manda-chuvas da emissora na época, em sua biografia O Campeão de Audiência (Best Seller, 1991), seria um retrocesso, não faria sentido produzir outra novela em branco e preto para substituir a primeira produzida em cores.
Daniel Filho, então diretor geral do departamento de teledramaturgia global, escolheu Jorge Andrade, de sólida carreira no teatro, para escrever a novela que sucederia a O Bem-amado. Andrade partiu então para uma obra baseada em duas peças suas, A Escada e Os Ossos do Barão, que levaria o título desta última na versão televisiva. O diretor seria o mesmo da história de Dias Gomes: Régis Cardoso.
Para protagonizar a novela, foram escalados Odorico e Zeca Diabo, ou melhor, Paulo Gracindo e Lima Duarte. O primeiro passou de prefeito corrupto de Sucupira a velhinho caduco e saudoso de um passado de poder e glórias, com nome mais que pomposo: Antenor Camargo Parente de Redon Pompeo e Taques. O segundo, de cangaceiro arrependido a imigrante italiano que enriqueceu depois da crise do café, Egisto Ghirotto.
Egisto veio da Itália ainda menino, e cresceu como colono da fazenda do barão de Jaraguá, tendo enriquecido graças a economias bem investidas, aproveitando-se da explosão industrial em São Paulo. Hoje, pode vangloriar-se de possuir tudo que um dia foi do barão – inclusive os ossos, já que comprou sua cripta mortuária. O que mais desejava era obter um título de nobreza, deixar de ser visto como um carcamano ignorante e ser aceito pela sociedade. Isso é possível caso seu filho Martino (José Wilker) se case com a bisneta do barão de Jaraguá, Izabel (Dina Sfat).
Antenor, filho do barão, hoje é um senhor idoso e meio esclerosado, que ainda acredita ser de sua família tudo que não é mais, ignorando o fato de que os Parente de Redon Pompeo e Taques não são mais o que foram no passado. Casado com Melica (Carmem Silva), senhora doce e sensata, que sabe como lidar com os desvarios do marido. Os dois tiveram três filhos. Miguel (Leonardo Villar), o mais velho, casado com Verônica (Maria Luiza Castelli), pai de Izabel e Ricardo (João Carlos Barroso). Maria Clara (Neuza Amaral), viúva, mãe de duas filhas: Lourdes (Renata Sorrah) e Zilda (Sandra Bréa). Vicente (Edney Giovenazzi) era escritor e casado com Lavínia (Bibi Vogel), e a independência de sua mulher incomodava o tradicionalismo de seus parentes.
O casal de velhos passa temporadas em casa de cada um dos filhos e, como ninguém quer arcar com a responsabilidade de cuidar deles, todos entram no dilema de interná-los ou não num asilo.
Martino e Izabel começam a viver um romance tumultuado pelas circunstâncias em que surge e pelas diferenças de mentalidade e criação dos dois. Além deles, também formam-se os casais Lourdes e Luigi (José Augusto Branco) e Zilda e Jairo (Gracindo Júnior). Tanto Lourdes-Luigi quanto Zilda-Jairo sofrem com o mesmo problema: o preconceito. Luigi, por ser descendente de italianos, Jairo por ser mulato. As duas moças eram filhas de Maria Clara, portanto netas de Antenor e Melica.
Antenor gostava de passear por São Paulo, dizendo por onde passava que aquilo tudo era dele. Num desses passeios, conhece Egisto, e os dois tornam-se grandes amigos. O italiano apresenta-se com o nome de Fernão Dias, aludindo ao bandeirante, e com isso ganha a confiança do velho, que não imaginava que naquele paulista tão tradicional e puro estava um imigrante, um dos tantos que suplantaram a sua e tantas outras famílias quatrocentonas no quadro social.
Andrade aproveitou os temas centrais das duas peças. De A Escada, tirou a trama do casal de idosos cujos filhos não sabem o que fazer com eles e se decidem pelo asilo como a melhor solução; de Os Ossos do Barão, o sonho desvairado de um imigrante italiano de casar seu filho com a herdeira de uma família da aristocracia cafeeira paulista falida, para assim conseguir um título de nobreza.
A escalação de Lima Duarte para o papel de Egisto foi muito criticada pelos apaixonados da obra do autor, que desejavam ver na telenovela o mesmo intérprete que havia consagrado o personagem nos palcos, Otelo Zeloni. Crítica reforçada quando se sabe que Lélia Abramo, que viveu Bianca, mulher de Egisto, mantinha o papel na TV. Todavia, Zeloni não teria concluído a novela, uma vez que falecera em dezembro de 1973. Paulo Gracindo prosseguia brilhando na pele de Antenor, personagem completamente diferente de Odorico, porém tão bom quanto. Dina Sfat, por sua vez, se disse constrangida de interpretar na novela uma moça de 18 anos, tendo já 35 na época.
Numa época de trilhas compostas especialmente para as novelas, os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle compuseram a de Os Ossos do Barão, com destaque para “Qual É?”, cantada por um Djavan em início de carreira, e o tema de abertura com o mesmo nome da história e cantado por Marcos, cuja letra explicava a trama básica da novela: “Sei que tu tem nome / Que vale uma nota o teu sobrenome / Sei que tu ‘tá duro / Que deves uma nota, correção e juro / Eu não tenho nome / Não tenho tradição / Não tenho sobrenome / Mas tenho dinheiro / Dinheiro compra tudo / Compra o mundo inteiro”. A perfeita representação de Egisto, o italiano criado como colono da fazenda do barão de Jaraguá que fizera fortuna como industrial em São Paulo enquanto os aristocratas seguiram o caminho inverso, com a decadência do negócio de café. Enquanto isso, fazendeiros, oligarcas, vivendo em prédios de apartamentos em vez de grandes fazendas, mas conservando a pose, o orgulho e os preconceitos do passado. As chamadas da novela traziam uma frase emblemática, também explicativa: “A vida é uma escada. Uns descem para depois subir; outros sobem para descer amanhã.”
Destacam-se ainda na trilha da novela: “Meu Velho Pai” (Djalma Dias), “Chega de Enganar a Nega” (Betinho), “E Tem Mais” (Eustáquio Sena), “Tu Nella Mia Vita” (Wess & Dori Ghezzi), “Jungle Boogie” (Kool & The Gang), “You Make Me Fell Brand New” (The Stylistics) e “Love’s Theme” (Barry White & The Unlimited Orchestra). As duas últimas ressurgiriam na trilha de Celebridade, em 2003.
O autor aceitou escrever para a televisão, na contramão do pensamento dos intelectuais, que a consideravam um veículo menor, por compreender que através da televisão poderia transmitir para muito mais pessoas ao mesmo tempo a mensagem que transmitia no teatro, através de suas peças. Levando sua temática de transformação da sociedade, conflitos de gerações e da formação da sociedade paulista e brasileira, Jorge Andrade escreveu uma das melhores novelas de nossa televisão. Perfeita, crítica, densa, intelectualizada sem ser chata e sem sofrer com os “esticamentos” que podem comprometer um bom trabalho não acabado no momento certo.
Os Ossos do Barão teve 150 capítulos, cinco dos quais escritos por Bráulio Pedroso devido a males de saúde de Jorge Andrade. Em 1997, o SBT produziu uma nova versão da história, com adaptação de Walter George Durst e mescla com outra novela de Andrade: Ninho da Serpente (Bandeirantes, 1982). Tanto a da Bandeirantes quanto essa versão de Os Ossos... do SBT eu vi, e tenho saudade, mas delas falarei noutra oportunidade.
Daniel Filho, então diretor geral do departamento de teledramaturgia global, escolheu Jorge Andrade, de sólida carreira no teatro, para escrever a novela que sucederia a O Bem-amado. Andrade partiu então para uma obra baseada em duas peças suas, A Escada e Os Ossos do Barão, que levaria o título desta última na versão televisiva. O diretor seria o mesmo da história de Dias Gomes: Régis Cardoso.
Para protagonizar a novela, foram escalados Odorico e Zeca Diabo, ou melhor, Paulo Gracindo e Lima Duarte. O primeiro passou de prefeito corrupto de Sucupira a velhinho caduco e saudoso de um passado de poder e glórias, com nome mais que pomposo: Antenor Camargo Parente de Redon Pompeo e Taques. O segundo, de cangaceiro arrependido a imigrante italiano que enriqueceu depois da crise do café, Egisto Ghirotto.
Egisto veio da Itália ainda menino, e cresceu como colono da fazenda do barão de Jaraguá, tendo enriquecido graças a economias bem investidas, aproveitando-se da explosão industrial em São Paulo. Hoje, pode vangloriar-se de possuir tudo que um dia foi do barão – inclusive os ossos, já que comprou sua cripta mortuária. O que mais desejava era obter um título de nobreza, deixar de ser visto como um carcamano ignorante e ser aceito pela sociedade. Isso é possível caso seu filho Martino (José Wilker) se case com a bisneta do barão de Jaraguá, Izabel (Dina Sfat).
Antenor, filho do barão, hoje é um senhor idoso e meio esclerosado, que ainda acredita ser de sua família tudo que não é mais, ignorando o fato de que os Parente de Redon Pompeo e Taques não são mais o que foram no passado. Casado com Melica (Carmem Silva), senhora doce e sensata, que sabe como lidar com os desvarios do marido. Os dois tiveram três filhos. Miguel (Leonardo Villar), o mais velho, casado com Verônica (Maria Luiza Castelli), pai de Izabel e Ricardo (João Carlos Barroso). Maria Clara (Neuza Amaral), viúva, mãe de duas filhas: Lourdes (Renata Sorrah) e Zilda (Sandra Bréa). Vicente (Edney Giovenazzi) era escritor e casado com Lavínia (Bibi Vogel), e a independência de sua mulher incomodava o tradicionalismo de seus parentes.
O casal de velhos passa temporadas em casa de cada um dos filhos e, como ninguém quer arcar com a responsabilidade de cuidar deles, todos entram no dilema de interná-los ou não num asilo.
Martino e Izabel começam a viver um romance tumultuado pelas circunstâncias em que surge e pelas diferenças de mentalidade e criação dos dois. Além deles, também formam-se os casais Lourdes e Luigi (José Augusto Branco) e Zilda e Jairo (Gracindo Júnior). Tanto Lourdes-Luigi quanto Zilda-Jairo sofrem com o mesmo problema: o preconceito. Luigi, por ser descendente de italianos, Jairo por ser mulato. As duas moças eram filhas de Maria Clara, portanto netas de Antenor e Melica.
Antenor gostava de passear por São Paulo, dizendo por onde passava que aquilo tudo era dele. Num desses passeios, conhece Egisto, e os dois tornam-se grandes amigos. O italiano apresenta-se com o nome de Fernão Dias, aludindo ao bandeirante, e com isso ganha a confiança do velho, que não imaginava que naquele paulista tão tradicional e puro estava um imigrante, um dos tantos que suplantaram a sua e tantas outras famílias quatrocentonas no quadro social.
Andrade aproveitou os temas centrais das duas peças. De A Escada, tirou a trama do casal de idosos cujos filhos não sabem o que fazer com eles e se decidem pelo asilo como a melhor solução; de Os Ossos do Barão, o sonho desvairado de um imigrante italiano de casar seu filho com a herdeira de uma família da aristocracia cafeeira paulista falida, para assim conseguir um título de nobreza.
A escalação de Lima Duarte para o papel de Egisto foi muito criticada pelos apaixonados da obra do autor, que desejavam ver na telenovela o mesmo intérprete que havia consagrado o personagem nos palcos, Otelo Zeloni. Crítica reforçada quando se sabe que Lélia Abramo, que viveu Bianca, mulher de Egisto, mantinha o papel na TV. Todavia, Zeloni não teria concluído a novela, uma vez que falecera em dezembro de 1973. Paulo Gracindo prosseguia brilhando na pele de Antenor, personagem completamente diferente de Odorico, porém tão bom quanto. Dina Sfat, por sua vez, se disse constrangida de interpretar na novela uma moça de 18 anos, tendo já 35 na época.
Numa época de trilhas compostas especialmente para as novelas, os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle compuseram a de Os Ossos do Barão, com destaque para “Qual É?”, cantada por um Djavan em início de carreira, e o tema de abertura com o mesmo nome da história e cantado por Marcos, cuja letra explicava a trama básica da novela: “Sei que tu tem nome / Que vale uma nota o teu sobrenome / Sei que tu ‘tá duro / Que deves uma nota, correção e juro / Eu não tenho nome / Não tenho tradição / Não tenho sobrenome / Mas tenho dinheiro / Dinheiro compra tudo / Compra o mundo inteiro”. A perfeita representação de Egisto, o italiano criado como colono da fazenda do barão de Jaraguá que fizera fortuna como industrial em São Paulo enquanto os aristocratas seguiram o caminho inverso, com a decadência do negócio de café. Enquanto isso, fazendeiros, oligarcas, vivendo em prédios de apartamentos em vez de grandes fazendas, mas conservando a pose, o orgulho e os preconceitos do passado. As chamadas da novela traziam uma frase emblemática, também explicativa: “A vida é uma escada. Uns descem para depois subir; outros sobem para descer amanhã.”
Destacam-se ainda na trilha da novela: “Meu Velho Pai” (Djalma Dias), “Chega de Enganar a Nega” (Betinho), “E Tem Mais” (Eustáquio Sena), “Tu Nella Mia Vita” (Wess & Dori Ghezzi), “Jungle Boogie” (Kool & The Gang), “You Make Me Fell Brand New” (The Stylistics) e “Love’s Theme” (Barry White & The Unlimited Orchestra). As duas últimas ressurgiriam na trilha de Celebridade, em 2003.
O autor aceitou escrever para a televisão, na contramão do pensamento dos intelectuais, que a consideravam um veículo menor, por compreender que através da televisão poderia transmitir para muito mais pessoas ao mesmo tempo a mensagem que transmitia no teatro, através de suas peças. Levando sua temática de transformação da sociedade, conflitos de gerações e da formação da sociedade paulista e brasileira, Jorge Andrade escreveu uma das melhores novelas de nossa televisão. Perfeita, crítica, densa, intelectualizada sem ser chata e sem sofrer com os “esticamentos” que podem comprometer um bom trabalho não acabado no momento certo.
Os Ossos do Barão teve 150 capítulos, cinco dos quais escritos por Bráulio Pedroso devido a males de saúde de Jorge Andrade. Em 1997, o SBT produziu uma nova versão da história, com adaptação de Walter George Durst e mescla com outra novela de Andrade: Ninho da Serpente (Bandeirantes, 1982). Tanto a da Bandeirantes quanto essa versão de Os Ossos... do SBT eu vi, e tenho saudade, mas delas falarei noutra oportunidade.
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